

Inteligência artificial, a nova e temida realidade do cinema em Cannes
O auge da inteligência artificial (IA) não perdoa o Festival de Cannes, onde se fala desta tecnologia nos corredores do Mercado do Cinema, ainda que alguns roteiristas a vejam como uma ameaça para a criatividade.
Como exemplo da polêmica, em várias grandes produções, a IA se converte em um dos vilões.
Em 'Missão: impossível - O Acerto Final', que não está competindo, o agente Ethan Hunt (Tom Cruise) passa quase três horas lutando contra uma IA maligna e fora de controle cujo objetivo é erradicar a humanidade.
Outro filme, 'Dolloway', do francês Yann Gozlan, conta a história de uma escritora (Cécile de France) incapaz de escrever há seis anos, e que participa de uma oficina de escritores de prestígio para encontrar inspiração.
Para escrever seu livro, a autora utiliza uma IA generativa, cada vez mais invasiva, que leva a protagonista a colocar em dúvida as suas intenções.
Neste terror psicológico, Gozlan se pergunta sobre o impacto da tecnologia na criação. "Será uma ferramenta que acabará nos escravizando e nos substituindo? É realmente preocupante", disse.
- "Novos horizontes" -
No filme, "a personagem se torna extremamente viciada em sua IA e se vê em uma situação em que praticamente não consegue mais escrever sem Dalloway (o nome da IA)".
"Sei que existem roteiristas que usam o ChatGPT como ajudante", disse Gozlan.
"De alguma forma, quando você delega uma tarefa, ao delegá-la, acho que você perde a capacidade de realizá-la", teme o diretor, que prevê a perda da capacidade de escrever.
No Marché du Film (francês para "Mercado de Filmes"), o maior do mundo, que acontece paralelamente ao evento, várias empresas estão oferecendo serviços para ajudar as produtoras a economizar tempo e dinheiro.
Para Sami Arpa, cofundador do Largo,ai, "em nossa opinião, a IA melhorará a criatividade".
Sua ferramenta "analisa o conteúdo (dos filmes), dando uma visão geral de seus pontos fortes e fracos. Analisamos os personagens, fazemos sugestões de elenco, qual ator se adapta melhor a qual personagem, e depois fazemos previsões sobre os resultados financeiros esperados nas bilheterias ou nas plataformas de streaming", exlica.
A IA ajuda a reduzir os gastos de produção, disse. "Permite descobrir novos gêneros, abre novos horizontes".
- A "criatividade humana no centro" -
"É simplesmente uma ajudante que acelera as coisas (...) ao mesmo tempo que coloca a criatividade humana no centro", insiste Arpa.
Largo.ai tem mais de 600 clientes na Europa e nos Estados Unidos, desde estudos até produtores, passando por distribuidores.
O delegado geral do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, suavizou, na segunda-feira, os temores da IA na criação.
"No que diz respeito aos roteiristas, à literatura, não acho que devemos nos preocupar muito", disse.
"A inteligência artificial não vai inventar que um cara prova uma 'madeleine' e, pule, 500 páginas depois", brincou Frémaux, fazendo alusão ao livro 'Em busca do tempo perdido', de Marcel Proust.
"No entanto, existe esperança, uma esperança para os criadores", destacou.
"Venho da escola francesa de proteção aos autores, da exceção cultural, da defesa dos autores, não importa o que aconteça", lembrou o homem que dirige o maior festival de cinema do mundo desde 2007.
Q.Moore--ThChM